Cidade - Decisão sobre abandono afetivo gera polêmica
09/05/2012 11:38

A decisão do Superior Tribunal de Justiça de determinar a um pai o pagamento de R$200 mil por abandono afetivo vem causando muita polêmica.
A decisão aconteceu na semana passada e de lá pra cá a sociedade organizada se pergunta quanto vale o dano moral causado pela rejeição de pais que, embora tenham dado assistência material, nunca deram atenção aos filhos?
Aliás, existe valor que pague esse abandono? A psicóloga Maria de Fátima Deusdeth pergunta: "Como um juiz pode determinar o que é abandono afetivo em uma relação complexa como a de pais e filhos? E por que o Estado deveria fazer isso? E por que deveríamos achar legítimo que o faça?".
A decisão aconteceu na semana passada e de lá pra cá a sociedade organizada se pergunta quanto vale o dano moral causado pela rejeição de pais que, embora tenham dado assistência material, nunca deram atenção aos filhos?
Aliás, existe valor que pague esse abandono? A psicóloga Maria de Fátima Deusdeth pergunta: "Como um juiz pode determinar o que é abandono afetivo em uma relação complexa como a de pais e filhos? E por que o Estado deveria fazer isso? E por que deveríamos achar legítimo que o faça?".
Essas questões me intrigam, diz ela. "Se um pai não garante as condições materiais para assegurar educação, alimentação e casa para um filho, já existe lei para obrigá-lo a cumprir o seu dever. Por outro lado, já temos a Lei da Palmada e, agora, começamos a punir o abandono afetivo. Essas questões me parecem emblemáticas dos novos tempos que vivemos. E, sinceramente, tenho dúvidas se refletimos o suficiente sobre o que estamos fazendo ao achar aceitável que o Estado entre na casa das pessoas para julgar o subjetivo", afirma.
"Na minha ótica", diz ainda a psicóloga, "esta é uma questão polêmica e controvertida. Acho impossível mensurar até que ponto tal abandono prejudicou a vida do filho ou dos filhos de pais ausentes pela indiferença, ausência de assistência afetiva e amorosa durante o desenvolvimento da criança.
"Na minha ótica", diz ainda a psicóloga, "esta é uma questão polêmica e controvertida. Acho impossível mensurar até que ponto tal abandono prejudicou a vida do filho ou dos filhos de pais ausentes pela indiferença, ausência de assistência afetiva e amorosa durante o desenvolvimento da criança.
Deveres dos pais – Já o advogado Paulo Fernadez Brito, especialista em Direito de Família, considera que a paternidade ou maternidade não geram apenas deveres de assistência material. Além disso, e muito mais que isso, existe um dever dos pais, mesmo que alternadamente, de ter o filho em sua companhia e assisti-lo na sua formação, seja ela social, educacional ou religiosa.
É de bom alvitre salientarmos que o papel dos pais não se limita ao dever de sustento, nem tampouco apenas em prover o filho materialmente, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, que necessitam da presença dos pais para sua autoafirmação, como também para adquirir determinados paradigmas que somente os pais podem transmitir aos filhos. Por tanto, em sua ótica, ele considerou perfeitamente viável a sentença do STJ.
É de bom alvitre salientarmos que o papel dos pais não se limita ao dever de sustento, nem tampouco apenas em prover o filho materialmente, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, que necessitam da presença dos pais para sua autoafirmação, como também para adquirir determinados paradigmas que somente os pais podem transmitir aos filhos. Por tanto, em sua ótica, ele considerou perfeitamente viável a sentença do STJ.
As questões familiares atingem um simbolismo cultural de extrema importância, sendo que a função dos pais deve ser observada com muita responsabilidade, sob pena de comprometimento da estrutura dos filhos. No Brasil já exitem quatro condenações obrigando pais a indenizar filhos por abandono moral – a saber: em São Paulo, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e esta última no Piauí.
Com relação à condenação gerada em São Paulo, a causa foi contra o pai pela falta de afeto à filha, que se criou sem receber carinho e atenção, e, com o sofrimento que passou na infância e adolescência, veio a tornar-se uma adulta com sentimentos de inferioridade, medo e culpa, tendo ficado comprovado por laudos técnicos psicológicos que a jovem apresenta conflitos, dentre os quais de identidade, deflagrados pela rejeição do pai, com quem ela deixou de conviver com poucos meses de vida.
Com relação à condenação gerada em São Paulo, a causa foi contra o pai pela falta de afeto à filha, que se criou sem receber carinho e atenção, e, com o sofrimento que passou na infância e adolescência, veio a tornar-se uma adulta com sentimentos de inferioridade, medo e culpa, tendo ficado comprovado por laudos técnicos psicológicos que a jovem apresenta conflitos, dentre os quais de identidade, deflagrados pela rejeição do pai, com quem ela deixou de conviver com poucos meses de vida.
Convivência em julgamento
No caso que teve origem em Minas Gerais, o Supremo Tribunal Federal vai decidir sobre recurso do pai condenado pelo abandono moral do filho, que alegou que só queria do pai o amor e o reconhecimento como filho, mas que recebeu apenas “abandono, rejeição e frieza”, inclusive em datas importantes, como aniversários, formatura no Ensino Médio e por ocasião da aprovação no vestibular.
No Rio Grande do Sul, o juiz de Direito da Comarca de Capão da Canoa condenou um pai a pagar 200 salários mínimos à filha, que alegou abandono material (alimentos) e psicológico (afeto, carinho, amor), salientando na sentença que “a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se autoafirme”.
No Rio Grande do Sul, o juiz de Direito da Comarca de Capão da Canoa condenou um pai a pagar 200 salários mínimos à filha, que alegou abandono material (alimentos) e psicológico (afeto, carinho, amor), salientando na sentença que “a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se autoafirme”.
Para o advogado Paulo Brito, todos esses casos mostram a visão acertada do STJ já que a função dos pais é tornar os filhos capazes de viverem em harmonia, aptos a enfrentar com maior eficiência as difíceis relações que se apresentam ao longo de nossa ínfima existência.
Por estarmos diante de um assunto tão delicado, observamos que é complexa a caracterização dos limites da rejeição, porque é preciso ter cautela para que a Justiça não seja usada como instrumento de vingança de pais separados, sendo, portanto, necessário prudência para a análise de cada caso concreto, devendo o juiz avaliar como o filho “elaborou” a indiferença paterna ou materna, para que realmente fique comprovado o dano psicológico e não uma mera desavença entre pais separados que querem usar os filhos para curar suas mágoas pessoais, considerou.
Por estarmos diante de um assunto tão delicado, observamos que é complexa a caracterização dos limites da rejeição, porque é preciso ter cautela para que a Justiça não seja usada como instrumento de vingança de pais separados, sendo, portanto, necessário prudência para a análise de cada caso concreto, devendo o juiz avaliar como o filho “elaborou” a indiferença paterna ou materna, para que realmente fique comprovado o dano psicológico e não uma mera desavença entre pais separados que querem usar os filhos para curar suas mágoas pessoais, considerou.
Quem assume a função paterna
Já o professor Luiz Carlos dos Santos diz que discorda da determinação, uma vez que a função paterna pode ser assumida pelo padrasto, por um tio, por um irmão mais velho, pelo avô ou mesmo por uma mulher, em um casamento gay.
Em sua opinião, para ser pai ou mãe, não basta gerar uma criança, é preciso adotá-la. E isso vale também para os pais biológicos. E nem todos conseguem fazê-lo.
Quem desempenha a função paterna ou materna é aquele que gerou uma criança e “adotou-a”, ou aquele que adotou uma criança e “adotou-a”. São dois atos e não um. E o segundo é mais difícil, demorado e cheio de percalços
Em sua opinião, para ser pai ou mãe, não basta gerar uma criança, é preciso adotá-la. E isso vale também para os pais biológicos. E nem todos conseguem fazê-lo.
Quem desempenha a função paterna ou materna é aquele que gerou uma criança e “adotou-a”, ou aquele que adotou uma criança e “adotou-a”. São dois atos e não um. E o segundo é mais difícil, demorado e cheio de percalços
Segundo ele, o que as pessoas parecem não entender é que a decisão do STJ acabou “mensurando” afetividade. Em sua opinião, não se faz uma coisa dessas por uma série de motivos, tanto que dos inúmeros crimes tipificados na nossa legislação, nenhum deles é específico sobre não gostar de alguém. Você não pode xingar, bater, roubar ou matar, mas indiferença ou animosidade ainda são legalizadas.
É verdade que o mundo se aproveitaria muito de mais afeto. Mas o problema é que não é algo que se possa medir de forma consistente e justa para a grande maioria da população. O quanto configura afeto varia de pessoa para pessoa. A sua criação, companhias e experiências acabam definindo o que é afeto para você.
É verdade que o mundo se aproveitaria muito de mais afeto. Mas o problema é que não é algo que se possa medir de forma consistente e justa para a grande maioria da população. O quanto configura afeto varia de pessoa para pessoa. A sua criação, companhias e experiências acabam definindo o que é afeto para você.
Para muita gente, a forma como eu demonstro afeto não chega a ser registrado como afeto. E do meu ponto de vista, diz o professor, a forma como muita gente demonstra afeto me parece uma mera coreografia. Algumas famílias são mais “grudadas”, outras não.
Na minha opinião, considerou, o brasileiro trata seu governo de uma forma infantilizada: cedendo poder de escolha e liberdades pessoais em troca de segurança e conformidade. Uma decisão desse tipo é um abuso e um precedente perigoso.
Definimos então o que é um abandono afetivo? Isso vai valer para todo mundo? As pessoas vão ter que seguir um modelo pré-definido de atitudes? Muitas perguntas, poucas respostas, concluiu o professor.
Na minha opinião, considerou, o brasileiro trata seu governo de uma forma infantilizada: cedendo poder de escolha e liberdades pessoais em troca de segurança e conformidade. Uma decisão desse tipo é um abuso e um precedente perigoso.
Definimos então o que é um abandono afetivo? Isso vai valer para todo mundo? As pessoas vão ter que seguir um modelo pré-definido de atitudes? Muitas perguntas, poucas respostas, concluiu o professor.
Naira Sodré REPÓRTER
Publicada: 09/05/2012 00:07| Atualizada: 08/05/2012 23:14
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